terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

"Harry Potter e a Pedra Filosofal", de J. K. Rowling

Releitura que há muito vinha evitando, desde a minha tentativa fracassada de reler O Hobbit -- livrinho que me fez viajar na infância, assim como a saga do bruxinho mais famoso do mundo. Tinha medo de perder a graça, o respeito e admiração que ainda mantinha pela escritora. Em algum momento, por volta dos meus 17 anos, passei a preferir a literatura de não-ficção, mesmo os romances que li eram romances possíveis. Falha minha não ter uma imaginação tão criativa para poder acompanhar as narrativas fantásticas.



Creio que dispensa apresentações, mas vamos refrescar rapidamente a memória sobre a história desse primeiro livrinho: Harry Potter é um menino de 11 anos, órfão, que mora com seus tios e seu primo, os Dursley -- pessoas desagradabilíssimas. Mesmo havendo quartos o suficiente para todos na casa, Harry vive em uma especie de dispensa em baixo da escada. Em determinada manhã Harry e seus tios são surpreendidos pela chegada de uma misteriosa carta, que Harry não chega a ler. A partir de então as correspondências se tornam frequentes, cada dias mais precisas quanto a seu destinatário e em maior quantidade. Tão misteriosas quanto as cartas é o comportamento de seus tios que não deixam Harry se aproximar delas, drama que acaba com a chegada de um gigante, Rúbeo Hagrid, que conta a Harry que as correspondências são da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts convocando-o para o ano letivo que começa e poucas semanas, porque sim, Harry é um bruxo.

A partir daí somos apresentados ao Beco Diagonal, um centro comercial bruxo, onde se encontra absolutamente tudo que qualquer bruxo precisa -- de livrarias a lojas de roupas, loja de varinhas e um banco (curiosamente, acaba de me ocorrer, de que se bem me lembro, em toda a série não é citada a existência de supermercados). Há também uma curiosa passagem secreta dentro do maior metrô de Londres que dá acesso ao Expresso que os leva a Hogwarts.

Hogwarts é um castelo mágico, munido de um feitiço que faz com que pessoas não bruxas que o cheguem a ver, apenas encontrem um lugar fantasmagórico com uma placa indicando que a construção encontra-se abandonada e que a mesma é muito perigosa. Através dos séculos Hogwarts educou bruxos de todas as estirpes, apesar de não ser a unica escola de bruxaria no mundo (recentemente descobrimos que há uma inclusive no Brasil, CasteloBruxo).

Entre aulas de Poções, Ensinamentos Contra As Artes das Trevas, Transfiguração, entre outras, Harry constrói fortes laços de amizade com Rony Weasley e Hermione Granger, assim como grande desafeto por Draco Malfoy e o Professor Severo Snape.

Bom, creio que já me estendi demais, dado que essas informações, assim como o final da trama já é de conhecimento público. Portanto, meu foco nesse e nos próximos livros é falar sobre questões gerais de tradução e eventuais curiosidades, assim como leve comparação com os filmes -- que foram falhos em diversas ocasiões.


Questões gerais sobre a tradução
Não existe tradução perfeita, sabemos. Em especial quando o material a ser traduzido contém em seu vocabulário palavras cridas pelo autor, que é o caso de Harry Potter. Devemos também nos lembrar que quando da ocasião da primeira tradução ainda não se sabia que a série alcançaria tamanha popularidade e que futuramente uma desatenta tradução poderia influenciar num mal entendimento sobre o significado de determinadas palavras. Vamos analisar alguns casos:
  • Muggles - palavra designada para identificar pessoas não bruxas, tendo aqui a famigerada tradução para 'Trouxas'. Fica evidente, logo nas primeiras páginas, que muggles não é uma palavra familiarizada na língua inglesa, quando Tio Valter está na rua e ouve alguém o chamando por esse nome, mas logo em seguida deixa de dar atenção "seja lá o que isso quer dizer". Trouxa, por outro lado, existe em nossa língua, e aliás, acarreta certo tom de zombaria. 
  • Sherbet Lemon - seria algo como Raspinha de Limão, como um frozen, também citada logo no início do livro e traduzido como "Sorvete de Limão". A discrepância aqui acontece quando o Professor Dumbledore oferece-o a Professora Minerva tal iguaria, e ela recusa pois não sabe do que se trata. Eventualmente, em outros livros, fica de nosso conhecimento que existem sorveterias no mundo bruxo, logo, ela teria reconhecido caso fosse um sorvete.
  • Mugwump - achei muito curioso o uso da expressão 'cacique supremo' para descrever Dumbledore na primeira carta de Hogwarts que Harry lê, uma vez que não há nenhum elemento indígena em toda a série. Mugwump seria melhor traduzido aqui como 'magnata'. 
  • Beady Eyes - no capítulo em que Harry vai ao zoológico, os olhos da cobrinha brasileira nascida em cativeiro, são descritos como 'olhos de contas'. Fiz até uma pesquisa no google, mas não encontrei nenhum exemplo que pudesse espairecer minha mente em relação a tal formato. Novamente um erro bobo para uma palavra que poderia ser traduzida tanto para 'olhos redondos', quanto para 'olhos lustrosos'. 
Há de se reconhecer que a tradutora teve grandes acertos, como a tradução de Peeves para Pirraça -- um poltergeist que vive em Hogwarts. Ou Quidditch para Quadribol.
Tenho muita implicância com o verbo "Por" (eu ponho, tu pões, etc..), penso que sempre pode ser melhor utilizado o verbo "Colocar", que fica mais formal e causa menos estranhamento. Infelizmente, pelo menos nesse primeiro livro, a tradutora prefere a primeira opção, que nos dá aquela sensação de que a qualquer momento vamos nos deparar com um 'ponhar' no meio da história. 
Algo que me deixou muito incomodado nessa edição que li foi que, por acaso lendo o original em inglês, reparei que toda uma frase foi excluída no capítulo do Chapéu Seletor. Foi um acaso, mas que me deixou com um pé atrás por toda a leitura, pensando quanta linhas mais podem ter sido deixadas de fora (até porque, já sei de antemão que algo similar acontece no próximo o livro). A frase em si é muito simples, e não tenho informações se em edições futuras ela foi adicionada, mas a título de curiosidade aqui está ela: "Malfoy went to join his friends Crabbe and Goyle, looking pleased with himself."  Que, tradução livre, seria: "Malfoy se juntou a seus amigos, Crabbe e Goyle, parecendo satisfeito consigo mesmo."

Curiosidades
  • Logo nas primeiras páginas é brevemente comentado sobre Sirius Black, padrinho de Harry, quando Hagrid explica que foi ele quem emprestou a moto voadora com a qual chega a cena. Assim como Dédalo Diggle (membro da Ordem da Fênix, que dá as caras novamente no livro homônimo), Tia Guida (que desde sempre já não gostava de Harry), Sra. Figg (uma vizinha velha, cheia de gatos, que às vezes cuida de Harry, e volta aparecer macabramente no futuro da série).
  • Pra quem sempre ficou curioso de como os pontos de cada casa são contados, já que o tempo todo os alunos ganham e perdem pontos e não há um aparente caderno para se fazer essas anotações, é explicado brevemente que há uma ampulheta mágica que faz esse acompanhamento durante todo o ano letivo, ampulheta qual todos os alunos tem acesso. 
  • Podemos notar desde o primeiro livro os sinais de uma possível bondade em Snape. Não chega a ser uma simpatia, claro. Mas é evidente que ele tenta proteger Harry de certos males, por conta, quem sabe, de uma gratidão a seus pais. 
  • Também para quem sempre ficou curioso de como Hagrid colecionou as fotografias dos pais de Harry para montar o álbum que ele lhe dá no final da história, é explicado que Hagrid mandou corujas para todas as pessoas que era de seu conhecimento que conviveram com Lilian e Tiago Potter, solicitando as mesmas. 
Partes não incluídas ou adaptadas para o filme
  • Nesse primeiro livro há uma segunda partida de Quadribol, de Grifinória contra Sonserina, na qual Snape é o árbitro, que apesar de favorecer a sua casa regente, está ali para evitar que outro incidente como o da vassoura descontrolada aconteça novamente -- apesar de que não tenhamos essa informação em tempo real. A partida acaba em menos de cinco minutos, quando Harry pega o pomo de ouro. 
  • Norberto, o dragão norueguês, na verdade é levado para Carlinhos -- irmão mais velho de Rony, que estuda dragões -- por outros bruxos amigos dele. Ninguém na escola fica sabendo da existência dele, à exceção de Harry, Rony, Hermione e Draco. E portanto Hagrid também não leva nenhum tipo de punição por o ter mantido clandestinamente em sua casa. 
  • Nos capítulos finais, quando Harry e seus amigos conseguem entrar no alçapão guardado por Fofo, o cão de três cabeças, as chaves que no filme são apresentadas com asas de que remetem a mosquitos, no livro na realidade são descritas como "chaves aladas", com penas. Também nesse capítulo ficamos sabendo que há mais duas etapas de provas que não foram incluídas no filme, sucessivamente a 4ª etapa: lutar contra um Trasgo das montanhas, que a essa altura já havia sido derrotado pelo Professor Quirrel. E a 5ª: uma sala com cinco poções e uma charada, três das poções são fatais, uma possibilita ir a diante e a última possibilita voltar atrás.  

Nas últimas páginas, quando Harry já salvou o dia e está internado na Ala Hospitalar, há um diálogo que chamou minha atenção, que basicamente consiste em Harry perguntando para o Professor Dumbledore o por quê de Voldemort o querer matá-lo, ao que recebe como resposta que "você vai saber, um dia...por ora tire isso da cabeça". Por algum motivo esse diálogo me intrigou, e me pareceu que eu deixei escapar alguma coisa na vez anterior a que li todos os livros. Uma impressão de que não é tão simples quanto parece. No decorrer das releituras, caso não tenha sido apenas coisa da minha cabeça, incremento esse post com alguma resposta melhor que os livros nos dê. 

Gostei muito dessa releitura, felizmente minha preocupação de que a história perdesse a mágica aos meus olhos estava errada. Harry Potter tem em mim esse sentimento que poucos personagens me fazem sentir. Assim como para Holden Caulfield (O Apanhador no Campo de Centeio) e Eduardo Marciano (O Encontro Marcado), que já li mais de uma vez suas histórias, para com Harry também continuo me angustiando e torcendo para que tenha um final feliz, mesmo que o final já tenha sido escrito e já sejam do meu conhecimento.